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10/02/17 |   Estudos socioeconômicos e ambientais

Você faz as contas certas?

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Foto: Maria Eugênia Ribeiro

Maria Eugênia Ribeiro -

O estudo sobre a lucratividade da agricultura brasileira mostra que muitos produtores rurais operam com prejuízos. Além de gastar mais nas operações de produção, o que configura má administração, eles têm um claro problema de gestão tecnológica: a renda bruta obtida em cada hectare – leia-se volume de produção –, apesar de bom investimento em tecnologias, é algo entre 15% e 20% do que conse-guem os fazendeiros que administram bem.

E, quando olha para a origem da renda familiar, o estudo mostra que a renda obtida, na fazenda, por esses agricultores é negativa, em todos os estratos de renda, enquanto que a renda que obtém, fora da fazenda, é sempre positiva. Ou seja, é na fazenda, na operação de produção, onde esses fazendeiros perdem dinheiro. Uma explicação plausível para isto é que eles não façam a conta certa, não considerem todos os itens de despesa.

Não é difícil ouvir de fazendeiros que, se fizessem todas as contas, eles desistiriam do negócio. O comum é que sua contabilidade considere apenas as despesas visíveis e imediatas, como combustíveis, insumos agrícolas e salários. Não consideram o custo dos bens imobilizados, da depreciação de máquinas e equipamentos ou o custo oportunidade do dinheiro empregado.

Fazendeiros, como qualquer outro empresário no Brasil, têm uma grande preocupação em aumentar o seu patrimônio. Mas, muitos não se preocupam se cada item desse patrimônio está produzindo toda a renda que poderia produzir. Enquanto isso, diariamente, todo o patrimônio está criando despesas que, em algum momento, terão que ser pagas. 

Por isso, é também comum que fazendeiros, comerciantes e industriais se endividem ou vendam parte do patrimônio para enfrentar despesas, sempre inesperadas, com a manutenção dos imóveis (cercas, estradas, pastagens, pintura, rede hidráulica, rede elétrica, etc.) ou reposição de máquinas, veículos e de plantas e animais. O fato corriqueiro e doloroso é que a contabilidade deles não previu tais despesas nem a geração de renda para custeá-las.

É senso comum que fazendeiros bem sucedidos também não fazem boa contabilidade. Sua diferença, em relação aos demais, é que são tão eficientes na geração de renda bruta, que há uma “sobra” de renda para arcar com as despesas não contabilizadas e ainda ter algum lucro. Parece ser um problema cultural: raros são os fazendeiros que enxergam sua fazenda como uma empresa, que imaginem precisar de um planejamento, um balanço anual e uma contabilidade em moldes empresariais.

A contabilidade correta

A insolvência de mais da metade dos fazendeiros, na safra de 2006, se tornou visível porque, naquele estudo, os pesquisadores fizeram uma contabilidade rigorosa, considerando todos os elementos de dispêndio e procurando remunerar adequadamente todo o capital envolvido na operação de produção.

A questão da contabilidade e da administração rural sempre preocupou o pesquisador Eliseu Alves. Em fevereiro de 2005, ele publicou, na revista Balde Branco, um artigo muito divertido sobre custo de produção em que discute como contabilizar todas as despesas da propriedade. 

Ele observa que todo produtor, na verdade, são duas "pessoas" num só corpo: o produtor-capitalista, que tem os bens de produção, ou seja, a terra, as máquinas, as instalações e os recursos financeiros, e o produtor-empreendedor, que assume o risco de investir no custeio da produção. As despesas do produtor-capitalista são diferentes das do produtor-empreendedor, mas ambos precisam ser devidamente remunerados por aquilo que colocaram na produção. Para evitar surpresas, o ideal é que façam um planejamento da produção com base no ano anterior, para prever todas essas despesas e os possíveis ganhos.

Eliseu observa que fica mais fácil visualizar como deve ser a contabilidade correta quando o fazendeiro encarna uma só dessas “pessoas”, como caso do produtor que só pode ser empreendedor porque não tem terras, instalações, máquinas e equipamentos, nem mesmo o dinheiro para o custeio da produção. Para produzir, ele toma tudo por empréstimo de terceiros, os capitalistas. Caso muito raro, pois no Brasil menos que 5% dos produtores rurais usam terras arrendadas ou que lhes foram cedidas em parceria. A tabela abaixo dá um exemplo do que contabilizar.

Tabela 1. Dispêndios de um produtor-empreendedor numa lavoura de milho, de 100 hectares,

toda mecanizada, que produz 120 sacos por hectare.

            Tipo de dispêndio

Quem retém

Valor

Aluguel de terra e benfeitorias

Terceiros

30.000,00

Insumos (fertilizantes, herbicidas, calcário, etc.)

Terceiros

100.000,00

Aluguel de serviços de operação e de máquinas e equipamentos

Terceiros

30.000,00

Trabalho familiar

Fazendeiro

10.000,00

Outros dispêndios (salários, combustíveis, fretes, etc.)

Terceiros

10.000,00

Subtotal de dispêndios

-

180.000,00

Custo Oportunidade (Juros sobre o subtotal de dispêndios - 6% ao ano)

Fazendeiro

10.800,00

Dispêndio Total

-

190.800,00

Venda de 12.000 sacos a R$ 20,00/saco

-

240.000,00

Renda líquida (valor da venda – dispêndio total)

Fazendeiro

49.200,00

Taxa de retorno (renda líquida/dispêndio total) (%)

-

25,79

Fonte: adaptado de Alves, 2005. 

Nesse caso, as despesas do produtor-empreendedor são apenas aquilo que ele efetivamente desembolsa. Remuneração de capital ou depreciação de benfeitorias e máquinas são problemas dos capitalistas, que certamente já embutiram tais despesas nos custos dos aluguéis que  cobram do produtor-empreendedor. 

O que o empreendedor desembolsa é o aluguel da terra e das instalações, das máquinas e equipamentos, a contratação de serviços especializados, como operação de máquinas e equipamentos, a compra dos insumos (adubos, sementes, defensivos, rações, etc.), os salários de empregados, combustíveis, e assim por diante. Fora disso, há duas despesas que ele não desembolsa, mas que precisam ser contabilizadas: o trabalho familiar e o “custo oportunidade” do empreendimento, calculados pelo valor de mercado. 

Normalmente, os fazendeiros não se lembram de considerar, nas contas, os salários que a família deveria receber, se ele não faz cheques no fim do mês para pagar essa despesa. O comum é ele imaginar que essa remuneração deve vir da “sobra”, do lucro. É um erro. Se não considera essa despesa, seu custo fica menor do que é. Mascara a situação. Se a sobra não for grande o suficiente, com a retirada mensal da família, o lucro fica menor ou vira prejuízo. 

O lucro não é para pagar seu salário. É para remunerar o risco que ele corre, todo ano, com os imprevistos da produção. A rigor, teria que ser visto e guardado como uma “poupança” para enfrentar as quebras de safra, a morte de animais, perdas de produto na armazenagem e outros acidentes de percurso, ou para fazer novos investimentos.

Da mesma maneira, ele não contabiliza o “custo oportunidade”, porque não é uma despesa visível, como a compra da semente, por exemplo. Mas, toda vez que o produtor escolhe aproveitar uma oportunidade – produzir milho ao invés de arroz, usar um adubo ao invés de outro – ele deixa de aproveitar outras oportunidades, que poderiam ser menos dispendiosas ou mais rentáveis. 

Se ele paga mais ou ganha menos com a oportunidade aproveitada, significa perda. E, perda é despesa. A rigor, o “custo oportunidade” de um bem ou de um serviço é o valor que ele receberia se, ao invés de dispender o dinheiro com aquele produto ou serviço, o fazendeiro o aplicasse e recebesse rendimentos. Usualmente considera-se para tanto os juros pagos pela poupança.

Por isso, deve se estimar, como “custo oportunidade” da escolha feita (leia-se, do dispêndio total da produção), um valor, que não será efetivamente desembolsado, mas que deverá ser previsto como despesa, para garantir que será pago pelo projeto de produção, de modo a compensar essas perdas (mais despesas, menor renda) eventuais decorrentes da escolha feita. Considerados todos esses dispêndios, ele saberá qual é a sua despesa real e poderá comparar com a renda bruta obtida para saber se tem lucro. 

Nessa situação de produção, nos contratos bem feitos, o produtor empreendedor não terá que se preocupar com as despesas de manutenção nem com o custo de depreciação de terras, benfeitorias, máquinas e equipamentos, pois isto é despesa do produtor capitalista e já estão embutidas nos valores cobrados como aluguel e por serviços operacionais. Se o produtor empreendedor estiver pagando para reformar prédios, pontes, cercas e máquinas, é sinal que fez um contrato ruim e está perdendo mais dinheiro.

A situação mais comum no Brasil é a do produtor que possui os bens de produção (terras, prédios, máquinas e equipamentos, etc.), que toma algum dinheiro emprestado para financiar a produção e assume os riscos de tocar uma lavoura ou uma criação. A tabela 2, a seguir, que examina a mesma situação de produção, mostra como sua contabilidade é mais complexa para garantir que ele remunere todos os seus investimentos, como capitalista e como empreendedor.

Tabela 2. Dispêndios do fazendeiro capitalista e empreendedor, na função empreendedor,

numa lavoura de milho de 100 hectares, toda mecanizada, que produz 120 sacos por hectare. 

            Tipo de dispêndio

Quem retém

Valor

Aluguel de terra

Ele-capitalista

25.000,00

Depreciação pura de benfeitorias (Fundo de depreciação)

Ele-capitalista

3.000,00

Manutenção de benfeitorias

Terceiros

2.000,00

Aluguel de máquinas e equipamentos

Ele-capitalista

10.000,00

Depreciação pura de máq. e equip.(Fundo de depreciação)

Ele-Capitalista

10.000,00

Operação e manutenção de máquinas e equipamentos

Terceiros

10.000,00

Trabalho familiar

Ele-empreendedor

10.000,00

Insumos (fertilizantes, herbicidas, calcário, etc.)

Terceiros

100.000,00

Outros dispêndios (salários, combustíveis, fretes, etc.)

Terceiros

10.000,00

Subtotal de Dispêndios

-

180.000,00

Custo Oportunidade (Juros de 6% sobre Subtotal de dispêndios)

Ele-capitalista

10.800,00

Dispêndio Total

-

190.800,00

Custo de produção (R$ /saco)

-

15,90

Renda Bruta (Venda de 12.000 sacos a R$ 20,00/saco)

-

240.000,00

Renda líquida (venda – Dispêndio Total)

Ele-empreendedor

49.200,00

Taxa de retorno (renda líquida/Dispêndio total) (%)

-

25,79

Fonte: adaptado de Alves, 2005. 

Os valores e o resultado final da operação – despesas, rendas, produtividade, custo de produção, taxa de retorno, etc. – são os mesmos da tabela 1. Mas, alguns valores estão desdobrados, como é o caso do aluguel de terras e operação de máquinas e equipamentos, para se especificar o que é aluguel propriamente dito, depreciação ou despesas de manutenção e para tornar claro o que é desembolso efetivo e quem os recebe.

Na tabela, o fazendeiro-empreendedor registra em negrito, como despesas, R$ 48.000,00, que pagará a si mesmo, como fazendeiro-capitalista, pelo aluguel e pela depreciação de suas próprias terras e benfeitorias, e de suas máquinas e equipamentos. Salvo algum incidente, nada disso será desembolsado, mas apenas provisionado para eventual desembolso futuro.

Não é difícil compreender que o fazendeiro, no seu papel de capitalista, retenha algum dinheiro para cuidar da depreciação de seu patrimônio. Afinal, sempre chegará o dia em que terá que reformar pastagens, cercas, pontes, prédios ou comprar um trator novo. Com uma poupança para esse propósito, evitará se endividar e pagar juros aos bancos. 

O que contraria o senso comum é que ele pague, a si mesmo, o aluguel de suas próprias terras e máquinas, que ele já tem para ser usadas no projeto de produção. No entanto, é preciso lembrar que, antes, todo esse patrimônio era poupança que, agora, está imobilizada. 

Esse dinheiro necessita não só ser protegido da desvalorização, em razão da inflação, mas, sobretudo, precisa gerar rendimentos, se multiplicar, para que o fazendeiro prospere. O aluguel, no caso, é o rendimento do dinheiro empatado em terras, instalações, máquinas e equipamentos.

Pela tabela, o que será efetivamente desembolsado soma R$ 132 mil, com que pagará a terceiros, pela operação e manutenção de máquinas, equipamentos e benfeitorias, e fornecimento de insumos agrícolas, combustíveis, serviços de terceiros e o trabalho familiar. O resto é poupança. 

Mas, o fazendeiro-empreendedor ainda registra como despesa, a ser paga a si mesmo como capitalista, o custo-oportunidade correspondente a todas as despesas, no valor de R$ 180 mil, não só aquelas com terceiros, mas também aquelas contabilizadas como remuneração para si mesmo, como capitalista. 

A razão é simples: até surgir o projeto de produção, esse dinheiro provavelmente estava numa aplicação financeira, onde poderia permanecer, sem maiores riscos, rendendo pelo menos os 6% da poupança. O custo oportunidade é mais um valor a ser retido por ele para constituir sua reserva. A rigor, o fazendeiro não deveria reter custo oportunidade sobre os valores contabilizados como depreciação pura, porque esses valores, como não serão desembolsados, já estarão no banco rendendo juros para o produtor. Mas, esse é um exagero que o beneficia e aumenta sua poupança.

Os valores em negrito são a remuneração do produtor, no seu papel de capitalista. Enquanto empreendedor, sua remuneração é o salário pago pelo trabalho familiar e a renda líquida final. Ambos, sendo remunerados adequadamente, é fator que contribuirá para operarem com lucro.

Considerar todas essas despesas aumenta os custos e pode parecer preciosismo do fazendeiro, mas esse rigor traz benefícios fundamentais: 1) com maior despesa a pagar, o fazendeiro é pressionado a produzir mais, buscar maior produtividade e ser mais eficiente; 2) é também pressionado a se assegurar que a maioria dos bens do seu patrimônio esteja sempre sendo usado e gerando renda líquida e 3) alerta o fazendeiro para os bens do seu patrimônio que estão gerando mais despesas que renda, e devem ser descartados. 

 

 

Renato Cruz Silva (MTb 610/04/97v/DF)
Secretaria de Inteligência e Macroestratégia

Telefone: (61) 3448-2087

Mais informações sobre o tema
Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC)
www.embrapa.br/fale-conosco/sac/

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